terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Visão

Existe uma crença ancestral de que a visão depende de nós, muito mais do que dependeria das coisas.


Por isso é que fechamos os olhos quando não queremos que determinada coisa exista (como um acidente, ou uma traição). Daí o ditado “O que os olhos não vêem o coração não sente”. Entretanto e se assim fosse, como explicaríamos a nossa intuição? A intuição nos fala a alma, ouvimos com o coração, o que me leva a afirmar que, “o que os olhos não vêem, o coração sente sim”.

Ao dizermos: “Não olhe para trás”, ou “olhe para o futuro”, como se pudéssemos, de fato, olhar o invisível. Demonstramos que temos a capacidade de crer inclusive naquilo que não é palpável.

O olhar é fonte de análise o olho-no-olho, é sentir o mundo. Nós cremos que a visão se faz em nós pelo que está fora e, ao mesmo tempo, se faz de nós para o que está fora.

O olhar é “sair de si e trazer o mundo para dentro”. O termo “janela da alma” tem a idéia que o olhar coloca nosso interior para o mundo exterior.

Por essa razão a visão é o sentido mais apto para a investigação, e é o sentido que mais prazer nos causa.

Sentimos prazer em conhecer e estudar, é enxergando que percebemos e discernimos todas as coisas, inclusive as diferenças.

A visão também é o mais rápido dos sentidos, projetando imagens no subconsciente que ficarão na memória para um fácil e rápido entendimento, com a maior fidelidade.
Quando nos deparamos com uma foto de um rosto estranho, mas que de alguma forma nos agrada, logo buscamos na memória inconscientemente descobrir o porque. E este é um dos prováveis motivos pelos quais a visão usurpa os demais sentidos em relação à percepção, pode ser observado na idéia de Merleau-Ponty, ao afirmar “ver é ter à distância”.

O olhar pode apalpar as coisas, pousa sobre elas e entra nelas, porém não se apropria. O olhar “resume” e ultrapassa os demais sentidos quando pode chegar ao objeto e voltar, sem alterações materiais.

Nos olhos estão o limite entre a materialidade e a espiritualidade, os neoplatonicos, defendiam a tese de que a “vista é o mais espiritual de todos os sentidos (…) pois ela capta as coisas longínquas com extraordinária rapidez e o que foi apreendido por ela é convocado mais facilmente por nós e mais eficazmente retemos na alma”

Este desenrolar de pensamentos nos leva a crer que não é apenas a fusão entre o olhar e o mundo, e entre os olhos (do corpo) e os olhos (do espírito), a conseqüência disto é que passa a existir a fusão entre o olhar e a linguagem. Ou seja, passamos do desejo de apenas observar, ao desejo de conhecer e interagir com aquela pessoa da foto.

Como os seres humanos não encontram satisfação apenas em comunicar-se seja lá de que modo for (e-mail, MSN, telefone, etc), o que explica o fato de que só o ver lança-nos para fora, ou seja, temos a ânsia de conhecer, explorar, enfim descobrir. Mas o ouvir, volta-nos para dentro, a voz da pessoa com a qual queremos estar, falar, interagir faz com que repensemos decisões, posturas, atitudes.

Segundo Platão, o verdadeiro motivo pelo qual temos visão e audição é estarmos destinados ao conhecimento.

Ora, Platão separa corpo e alma, mas reafirma com intensidade a desconfiança com relação aos sentidos. Para ele, como os olhos vêem apenas simulacros, a verdadeira visão é aquela feita pelo intelecto. Entretanto sabemos que o intelecto do homem é feito de razão e paixão. Então para ele os olhos, não vêem tudo.

Outros crêem que a percepção pode ser purificada ao extremo para dedicar-se às atividades intelectuais, e o olho passa a ser um operário do pensamento, que enxerga idéias, conceitos e essências, e os vê como universalidades existentes desde todo o sempre e em parte alguma do visível.

O olho intelectual é o puro sujeito da observação, espectador absoluto que supõe ou que, põe uma multiplicidade plana de universalidades e individualidades.

Existe outra corrente a qual defende que a “filosofia figurada da visão” impede que concebamos o olhar como operação intelectual, colocando o mundo exterior como representação ou conceito. Ou seja, a visão de alguma coisa depende do julgamento de quem olha, a foto só é agradável àquela pessoa e pode não ser a outrem. A mesma foto vista por um filósofo é diferente da vista por um pintor que é diferente da vista pelo matemático.

Ora, Ver não é Pensar, e pensar não é ver, mas sem a visão não pensamos, e sem o pensamento não vemos.

A esta altura, querido leitor, você deve estar se perguntando, aonde isso chegará? Então, lembremos do que disse Leonardo da Vinci:

"Não vês que o olho abraça a beleza do mundo inteiro? [...] E janela do corpo humano, por onde a alma especula e frui a beleza do mundo, aceitando a prisão do corpo que, sem esse poder, seria um tormento [...] Oh admirável necessidade! Quem acreditaria que um espaço tão reduzido seria capaz de absorver as imagens do universo? [...] O espírito do pintor deve fazer-se semelhante a um espelho que adota a cor do que olha e se enche de tantas imagens quantas coisas tiver diante de si".

A você que movido seja lá por qual motivo, ou curiosidade acompanhou-me até aqui, metaforicamente e prolixamente digo, que, a visão pode expor o "objeto observado" a qualquer juízo de valor e nem sempre chegando à realidade... Isto posto, decidi não mais colocar minha foto neste blog...

Num filme antigo, destes de época, lembro-me de uma cena, onde uma bela moça em lágrimas, ao cruzar com um casal idoso na rua, escuta ele falar para sua esposa:

- Vês mulher? As lágrimas rolam principalmente e com mais facilidade nos rostos bonitos...

Abraços

Wilkatia.

Serviu de pano de fundo o texto de Marilena Chauí - Janela da Alma, Espelho do Mundo in NOVAES, Adauto (org) “O olhar” São Paulo: Cia das Letras, 1998.

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