terça-feira, 25 de janeiro de 2011

A lucidez perigosa




Estou sentindo uma clareza tão grande
que me anula como pessoa atual e comum:
é uma lucidez vazia, como explicar?

Assim como um cálculo matemático perfeito
do qual, no entanto, não se precise.

Estou por assim dizer
vendo claramente o vazio.

E nem entendo aquilo que entendo:
pois estou infinitamente maior que eu mesma,
e não me alcanço.

Além do que:
que faço dessa lucidez?
Sei também que esta minha lucidez
pode-se tornar o inferno humano
- já me aconteceu antes.

Pois sei que
- em termos de nossa diária
e permanente acomodação
resignada à irrealidade -
essa clareza de realidade
é um risco.

Apagai, pois, minha flama, Deus,
porque ela não me serve para viver os dias.

Ajudai-me a de novo consistir
dos modos possíveis.

Eu consisto,

eu consisto,

amém.


(Clarice Lispector)


"Quando eu descobrir o que me assusta, saberei também o que amo aqui. O medo sempre me guiou para o que eu quero; e, porque eu quero, temo. Muitas vezes foi o medo quem me tomou pela mão e me levou. O medo me leva ao perigo. E tudo o que eu amo é arriscado."

(A Legião Estrangeira)


Clarice Lispector

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