domingo, 20 de março de 2011

Amizade sem trato


Dei pra me emocionar cada vez que falo dos amigos. Deve ser a idade, dizem que a gente fica mais sentimental.

Mas é fato: quando penso no que tenho de mais valioso, os amigos aparecem em pé de igualdade com o resto da família.

E quando ouço pessoas dizendo que amigo, mas amigo meeeesmo, a gente só tem dois ou três, empino o peito e fico até meio besta de tanto orgulho: eu tenho muito mais do que dois ou três.

São uma cambada. Não é privilégio meu qualquer pessoa poderia ter tantos assim, mas quem se dedica? Fulano é meu amigo, Sicrana é minha amiga. É nada. São conhecidos.

Gente que cumprimentamos na rua, falamos rapidamente numa festa, de repente sabemos até de uma fofoca sobre eles, mas amigos? Nem perto. Alguns até chegaram a ser, mas não são mais por absoluta falta de cuidado de ambas as partes. Amizade não é só empatia, é cultivo.

Exige tempo, disposição. E o mais importante: o carinho não precisa - nem deve - vir acompanhado de um motivo.

As pessoas se falam basicamente nos aniversários, no Natal ou para pedir um favor - tem que haver alguma razão prática ou festiva para fazer contato.

Pois para saber a diferença entre um amigo ocasional e um amigo de verdade, basta tirar a razão de cena. Você não precisa de uma razão. Basta sentir a falta da pessoa.

E, estando juntos, tratarem-se bem.

Difícil exemplificar o que é tratar bem. Se são amigos mesmo, não precisam nem falar, podem caminhar lado a lado em silêncio.

Não é preciso trocar elogios constantes, podem até pegar no pé um do outro, delicadamente. Não é preciso manifestações constantes de carinho, podem dizer verdades duras, às vezes elas são necessárias.

Mas há sempre algo sublime no ar entre dois amigos de verdade...

Talvez respeito seja a palavra.

Afeto, certamente.

Cumplicidade? Mais do que cumplicidade.

Sintonia?

Acho que é amor. Só mesmo amando para você confiar a ele o seu próprio inferno.
E para não invejarem as vitórias um do outro. Por amor, você empresta suas coisas, dá o seu tempo, é honesto nas suas respostas, cuida para não ofender, abraça causas que não são suas, entra numas roubadas, compreende alguns sumiços - mas liga quando o sumiço é exagerado.

Tudo isso é amizade com trato.

Se amigos assim entraram na sua vida, não deixe que sumam.

Porém, a maioria das pessoas não só deixa como contribui para que os amigos evaporem. Ignora os mecanismos de manutenção.

Acha que amizade é algo que vem pronto e que é da sua natureza ser constante, sem precisar que a gente dê uma mãozinha.

E aí um dia abrimos a mãozinha e não conseguimos contar nos dedos nem dois amigos pra valer...

E ainda argumentamos que a solidão é um sintoma destes dias de hoje, tão emergenciais, tão individualistas.

Nada disso.

A solidão é apenas um sintoma do nosso descaso.

Martha Medeiros

Nenhum comentário:

Postar um comentário